Capitulo 1
1992- Portugal
Um som horrível de tapas podia ser ouvido.
O rosto da menina sangrava, com a brutalidade em que era espancada.
Mas ela estava quieta, indiferente. Parecia acostumada com o fato.
-Menina idiota! Só me trás isso?! Esse dinheiro não é nada, inútil!
A ganância e o ódio estavam estampados nos olhos do homem. Um tipo gordo, bochechas cobertas pela barba mal feita, se isso o fazia. Roupas cheias de suor, e que davam aspecto de sujeira. Mas os olhos... Os olhos eram o pior naquele homem.
Sim, é geneticamente impossível, mas os olhos daquele espancador, daquele monstro, eram completamente negros.
Não havia nenhuma parte em branco naquelas “portas para a alma”. Era tudo completa e tenebrosamente negro!
-Vá embora daqui!- Ele gritou e depois parou para pensar- Não... Melhor...- Abriu um sorriso maléfico, com os lábios finos se esticando pelo canto da boca e os dentes amarelados e podres, pela cerveja muito consumida, apareceram. – Eu te dou uma carona...
Rua em frente a Igreja dos Ossos.
-O que fazemos aqui?!- Aquela menina, com as pernas encima do banco do carro, abraçando-as. A voz baixa, abafada ainda mais pela chuva... A menina era tão linda...
Cabelos compridos negros, olhos tão azuis que quase não podia se ver uma cor nos olhos. Pele pálida, mas, com o sangue recém caído, sujo.
-É o que, menina?! Ahh, a gente tá aqui pra te mostrar uma coisa...- Ele riu, e abriu a porta do carro.
Saiu em plena chuva, e pegou algo no porta malas...
-Vem logo! Não demora, que a morte não espera!
- O que? Morte?- A menina saiu do carro, e olhou para ele com os olhos alerta.- Aonde estamos!?
Uma lágrima escorreu-lhe pelo rosto, e se virou para trás.
Lá estava a Igreja dos Ossos. “Porque estamos aqui!?” Ela gritou, e o som retumbante de um trovão seguiu o grito da jovem, que viu o movimento das mãos do homem.
-Bons sonhos, anjinho negro...
Ele levantou um machado.
Gritos...
E...
Sangue.
Um carro apressado, um machado ensangüentado, um cadáver jogado ao chão, sob as escadas da Igreja dos Ossos.
“Bons sonhos, anjinho negro...”
✞ ✞ ✞
Lúcifer estava calmo, sentado e sorrindo vendo seus súditos sofrerem.
“Nada como ser feliz com a infelicidade dos outros...”
Ele sempre se divertia, pois para ele, a morte, era a melhor coisa que podia acontecer. Principalmente quando era ele que ganhava os súditos.
-Senhor, temos um problema...- Um homem um tanto quanto deformado apareceu.
Um demônio...
Asas longas, de morcego, cobertas por couro. Olhos pequenos, miúdos, completamente negros... olhos negros...
-Fiz o serviço como o senhor mandou, mas...
-Mas?- Lúcifer fitou o demônio indignado- Mas o que? Não quero “mas”, você disse que iria trazer a menina!
-Ela fugiu, senhor!- O demônio se encolheu, a voz já estava ficando fina. Fina por um bom motivo...
- OQUE?- Lúcifer pulou da cadeira aonde estava sentado- Como?!- A voz grossa, já retumbante, enquanto calmo; assustadora e penetrante, enquanto bravo; horripilante e congelante, enquanto totalmente raivoso.
-A menina, ela... Acredita que... Ela... Hã...
O demônio sentia o coração, murcho e sem amor, batendo forte no peito. A voz falhava, e ele tentava se afastar o máximo possível de seu tenebroso chefe.
-Explique-se, verme! Que se não lhe tiro a alma que te poupei!- O diabo se levantou, e começou a andar ferozmente até o demônio.
Sua verdadeira forma apareceu.
As roupas de grife se rasgaram, asas enormes se abriram, espalhando tudo o que vinha atrás e aos lados. Dentes pontiagudos, todos eles, amarelados. Garras afiadas como facas pontiagudas, que só a um toque, cortava tudo com o que deparasse.
-A menina foi muito boa ,senhor! Muito boa na vida!
Lúcifer gritou.
-Quer dizer que foi com meu rival? Não! Eu a quero! Você sabe da capacidade dela! Conversamos muito sobre isso! Preciso dela em minhas mãos!
-Não senhor, D... Ele não ficou com ela!- O demônio se segurou para não dizer a palavra “Deus”, pois quando dita no inferno, o que se podia acontecer era ter a alma absorvida, ou no caso dos demônios o corpo queimado, pelas fiscais de Lúcifer... Sim, elas...
-Então, o que? Ressuscitou? Voltou ao mundo? O QUE? – Lúcifer fitou, com os olhos vermelhos, o demônio.
O rosto do diabo já estava tão perto da face do outro, que o demônio podia sentir o bafo do chefe.
-Ela se escondeu... Na caverna... O senhor sabe... Não podemos ir até lá... Foi... Abençoado!- O demônio olhou para Satanás com o olhar quase desafiador. Tentava encontrar um modo de não ter que procurar a menina...
Mas depois...
- Ah!- Um grito de agonia.
O demônio caiu ao chão, um líquido preto saia do tórax dele...
Lúcifer havia usado suas garras.
- Morra! E vá com ela! Procure-a!
O demônio fez uma careta angustiada, e então, se dissolveu em pó.
“Morto foi o demônio causador, pobre não será sua procura.”